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MICOIN
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OUT OF CHARACTER
Escute-me, mesmo que minha voz não seja som, mas pensamento. Mesmo que não ecoe em seus ouvidos, mas em sua consciência. Pois minha existência não pode ser narrada como a de um homem comum.
Eu fui moldado fora das regras.
Eu nasci contra o destino.
Meus pais eram a ruína e a faísca, o trono e o feitiço, a carne e o mistério. Meu pai era Rassan Al’Zahir, o Deus-Rei do Deserto, cujo punho fazia curvar-se os generais das Cidades de Pedra e Ouro, enquanto minha mãe era Farah LeFay, filha de uma linhagem de bruxas imortais e derradeira herdeira do legado arcano de Morgana, minha ancestral.
Eles foram unidos, não por amor, mas por um acordo político em prol da guerra e posteriormente, pelo desejo indomável de conceber um herdeiro que encarnasse o poder absoluto.
E diga-se de passagem... Esse deveria ser eu.
Mas acontece que o mundo não os queria juntos. E os deuses, muito menos.
Durante três anos, minha mãe tentou conceber. Mas cada tentativa foi vencida por maldições, pestes, abortos espontâneos e presságios. A própria terra sangrou uma vez sob os pés dela. Então, ela decidiu quebrar as leis e ir contra a própria vontade divina com uma relíquia esquecida até mesmo pelo tempo: a Lâmpada Djinn de Nostrodamus.
Porém, a lâmpada não concede desejos. Ela cobra equilíbrio.
Meu nascimento foi o milagre impossível que ela selou. Fui concebido fora do tempo, com chamas negras iluminando o ventre de minha mãe. Meu coração começou a bater no exato momento em que três estrelas caíram sobre Varkitan.
Naquele dia, minha mãe teve seu maior desejo realizado pelo poder absoluto contido nas mãos daquele Djinn astuto. Mas em troca, dos cofres do palácio de Saharath, desapareceu seu maior tesouro.
Ainda não era possível perceber, mas minha mãe não havia sido a única a ter seu desejo realizado ali. O Djinn, outrora cativo daquele objeto, daquele momento em diante não mais residia na lâmpada.
Minha mãe não sabia, mas ao ter o seu desejo concebido, combinando a linhagem de meu pai com a dela própria e usando sua essência primitiva como matéria-prima em minha criação, aquele ser cativo havia concedido a si próprio uma coisa: liberdade.
Eu fui sua passagem de volta à vida livre... Afinal, somos agora um só. Partes de um mesmo ser.
Mas é claro que haveriam consequências por ir contra às leis do mundo natural.
Nasci sem voz. Sem choro. Com olhos opacos como a cinza dos mortos. Um bebê que não chorava, mas fazia os espelhos estilhaçarem só de estar presente.
O que o destino não pode controlar, ele limita. Restringe.
Os monges disseram que minha alma não era humana. Que o Djinn não dera apenas um corpo, mas abrira uma rasura nas leis da própria natureza: me usara para escapar de seu fardo como cativo de seu próprio poder. Disseram que o equilíbrio cobrava um tributo: me tomara a fala e a visão. Me deixara com sentidos ausentes, mas com percepções impossíveis. Eu via o futuro em estalos de dor. Sentia as emoções de quem me tocava. E meu silêncio se tornava um peso, uma presença mais forte que qualquer grito.
Na mesma noite em que vim ao mundo, meu pai caiu em batalha.
A traição veio de dentro: Anarhath, seu próprio general.
Uma lança atravessou o peito do poderoso Deus-Rei e com ele caiu também o império dos Al'Zahir — o nosso império. E de seus escombros, o Conselho das Areias ergueu-se, faminto, sobre a carniça do trono. Aristocratas, mercadores e militares que um dia beijaram os anéis do meu pai, agora dividiam entre si o deserto, ascendendo ao minar qualquer influência que tivéssemos sobre o nosso povo e o nosso próprio território.
Nasci em um período em que a decadência fora apresentada ao que restou de minha família. Nosso palácio fora tomado e nosso nome, soterrado sob as areias do deserto.
E eu, a cria profana de alguém cujo nome deveria ser apagado da história, fui declarado um perigo pelos conselheiros. Um erro. Uma lenda que precisava ser esquecida.
Minha infância foi uma cela sem trancas, mas com muros altos de silêncios. Levaram-me para Shem Al-Nagun, no extremo sul de Hajfkar.
Não havia vida ali.
Apenas areia, vento e pedras onde nem os escorpiões se arriscavam.
A fortaleza, construída em tempos ancestrais pelos antigos Marechais do Deserto, fora reaberta só para mim. Para que eu fosse mantido longe de olhos e memórias.
Minha mãe, antes a aclamada imperatriz de toda uma nação, agora era apenas uma sombra arrastando-se ao meu lado. Cuidava de mim com a dignidade dos que já perderam tudo, mas ainda têm a esperança como único tesouro.
Lembro-me do tato de suas mãos. De seu sussurrar. Ela me ensinou a pensar em imagens, a "ouvir" sem escutar. Cada palavra era um gesto, um calor no ar. Ela dizia que minha voz, embora muda, moldaria o mundo. Que meus olhos, embora cegos, veriam aquilo que os outros não podiam.
E eu via.
Em sonhos, em febres, em calafrios, eu via cidades afundando sob a areia, exércitos marchando em espiral sob a escuridão e minha própria face refletida em espelhos de ouro e sangue. Eu via uma coroa rachada... E no horizonte, o vazio profundo refletido nos olhos de um ser que me foge à compreensão.
Aos dez anos, compreendi o bastante.
Não pela lógica, mas pela dor.
Sabia que não devia estar ali. Que haviam me enterrado antes mesmo de eu crescer.
Numa noite em que as areias sopravam contra as muralhas como lanças invisíveis, minha mãe veio até mim com olhos resolutos. Havia sangue nas mangas de seu vestido. E um mapa desenhado em cinzas sobre pele de serpente.
Fugimos.
Ninguém nos viu.
Ninguém nos deteve.
Aquela noite não existe nas crônicas do Conselho. Eles dizem que morremos. Que nos desfizemos nas areias.
Mas se assim fosse... Por que você está lendo isto?
Durante semanas vagamos entre as dunas, fugindo das sombras do Conselho e dos olhos invisíveis dos que ainda veneravam a velha ordem. O deserto nos perseguia como fera faminta: o calor do dia nos queimava e o frio da noite nos feria até os ossos. E ainda assim, seguimos.
Foi então que o destino, sempre cruel e sempre cíclico, nos levou ao Oásis dos Lirianos — um dos últimos refúgios vivos da antiga era. Uma cidadela secreta, escondida pelas areias como uma joia oculta no ventre da terra.
Ali, entre tendas coloridas e fontes que cantavam à noite, encontramos alguém que o tempo parecia ter esquecido.
Amélia.
Ela era, aos olhos do povo, apenas uma tecelã. Seus dedos criavam padrões encantadores em tecidos que dançavam com o vento. Mas sob o véu da simplicidade, havia algo mais: uma centelha, um poder sutil.
Minha mãe a reconheceu de imediato.
E Amélia também reconheceu a mim.
Ela não era apenas uma amiga antiga, mas uma preciosa aliada do império no passado. A Emissária Sagrada de Tarim El-Zahar — uma ordem esquecida, soterrada sob eras de silêncio e areia, operando nas sombras, infiltrando-se em cortes, feudos e templos por toda Varkitan, com propósitos que nem mesmo minha mãe compreendia por completo, mas que por vezes apoiara meu pai em suas incursões imperialistas.
Ali, naquele primeiro momento, quando os olhos serenos daquela mulher repousaram sobre mim, vi algo raro em seu semblante imortal: maravilhamento. Não do tipo simples ou pueril, mas aquele que carrega o peso das eras.
Ela se aproximou em silêncio, e por longos minutos apenas me observou — não como um monstro, nem como um presságio. Mas como um enigma sagrado.
— Ele é real... — murmurou com voz trêmula. — A criança contra o destino. A centelha que os deuses não puderam apagar.
Em sua crença, haviam palavras para descrever tudo aquilo que havia sido dito sobre mim: Az’hareth (no antigo idioma Arendar, "Aquele Liberto do Destino") ou Azariël (o "Não-Cativo pelos Deuses").
Amélia ajoelhou-se diante de mim e pousou sua mão sobre minha face.
Ao fazê-lo, seu corpo estremeceu, como se o calor da Criação tivesse lhe tocado de volta. Chorou — lágrimas silenciosas, puras, que marcavam não a dor, mas a revelação. Ela vira em mim mais do que um ser anômalo. Vira potencial. Um poder bruto e puro, livre das tramas do destino, pois eu fora gerado fora delas.
— Nunca vi nada assim... — disse, com os olhos úmidos. — Você não está amarrado ao Tear. Você é o fio solto. O que escapa. O que pode romper tudo.
E, então, a dúvida emergiu repleta de esperança:
— Seria ele aquele que a Ordem aguardava? O eco da origem? O fim da espera? — Indagou a si mesma em pensamento.
E naquela noite, sob o brilho das estrelas que reluziam nos céus acima de nós, Amélia fez um juramento silencioso. Ela me guiaria. Me protegeria. Me prepararia.
Pois se eu era mesmo o que ela acreditava, o mundo ainda não estava pronto para mim.
Na alvorada do segundo dia após nosso encontro no Oásis dos Lirianos, os camelos foram selados, os tecidos dobrados com cuidado, e a caravana de Amélia preparou-se para partir. Sob o falso pretexto de uma missão mercantil, marchamos rumo ao sudoeste, atravessando vales ressecados e cordilheiras de areia em direção ao mais antigo segredo do deserto: Zan'haril, a Torre Branca do Tear.
Ao longe, surgia como miragem, uma torre de mármore pálido que resplandecia como se feita de luar. Era ali, sob as tapeçarias e roldanas de uma grande tecelagem, que o coração pulsante de Tarim El-Zahar — a Ordem de Zan'haril — ocultava seu verdadeiro cerne.
A torre tornou-se nosso lar.
Pela primeira vez, o silêncio que me envolvia parecia bem-vindo. As sombras não me temiam ali — e eu também não temia a mim mesmo. Minha mãe encontrou abrigo, e eu, pela primeira vez, fui visto não como um fardo, mas como promessa.
Durante minha estadia na torre, Amélia assumiu minha educação com zelo de uma artesã moldando o destino. Ensinou-me com símbolos, toques, perfumes e intuições. A linguagem da Ordem não era feita de sons, mas de fios: fios de destino, de magia, de lembrança. Aprendi a sentir as tramas invisíveis do mundo. Aprendi que nem toda prisão é feita de pedra — e nem toda liberdade é ausência de correntes.
Aos olhos das mestras da Ordem, eu era uma incógnita viva. Um sopro rebelde no Grande Tear Cósmico. Mas para Amélia, eu era mais que isso. Eu era o Salvador anunciado nos fragmentos esquecidos do culto de Tarim, o messias nascido não de profecia, mas de quebra profética — aquele que viria não para cumprir o ciclo, mas para mudá-lo.
Ali, sob as altas cúpulas da Torre Branca, enquanto o deserto cantava ao longe e os ventos murmuravam antigos nomes em línguas extintas, minha verdadeira jornada começava. Não mais como um mero herdeiro silenciado de uma coroa morta, mas como o fio que escapou das mãos do destino.
A Ordem me esperava.
E o mundo deveria temer a mudança que eu traria.
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