O Cântico da Rosa Enlouquecida é mais do que um artefato maldito — é uma entidade viva disfarçada de instrumento arcano. Sua natureza de vírus arcanorrestrutural o torna impossível de ser simplesmente destruído ou purificado, pois ele não ocupa um único corpo físico: ele é um padrão, um arranjo vivo de runas, memórias e cantos que se replicam no tecido mental, no éter e até mesmo nos pontos de convergência do multiverso. A sua forma visível, quando decide se mostrar, é sempre a mesma: uma rosa de pétalas negras com veios escarlates, pulsando num ritmo que não corresponde a batimentos cardíacos, mas a uma melodia inaudível para os que não estão infectados. Para o hospedeiro, contudo, essa melodia é constante — às vezes suave, como um sussurro distante, outras vezes ensurdecedora, como um coro de vozes tentando falar ao mesmo tempo. É nesse compasso que ele opera, sincronizando os impulsos mentais do usuário com a cadência do HEX, até que distinção entre vontade própria e compulsão desapareça. As páginas do Cântico não são de papel. Cada “página” é uma sequência viva de símbolos arcanos que se manifestam na visão interna do hospedeiro, forçando a mente a reconhecer significados que nunca existiram no plano físico. Ao “ler” um desses símbolos, o portador está, na prática, executando um programa de reescrita da realidade. O feitiço não nasce no mundo — ele é escrito no próprio “código” que sustenta a estrutura do plano, inserido à força como uma linha de lógica alienígena. E toda vez que isso acontece, um fragmento da identidade do conjurador é oferecido como moeda: um traço de personalidade, uma lembrança, um instinto. Com o tempo, o hospedeiro se torna menos “ele” e mais “nós”, passando a carregar em si ecos de outras consciências que já foram tocadas pelo Cântico. As distorções geradas por seus feitiços nunca se limitam ao alvo ou à situação. Cada manipulação deixa uma rachadura — uma fenda que começa no portador e se estende para o ambiente, como se realidade e hospedeiro compartilhassem a mesma casca quebradiça. Essas fendas não cicatrizam sozinhas; permanecem como pontos de vulnerabilidade que outras forças podem explorar. É por isso que estudiosos do Conselho de Midrel afirmam que a maior ameaça do Cântico não é o que ele faz de imediato, mas o que ele deixa para trás. Lady Nymira, a primeira hospedeira reconhecida nos planos superiores, nunca foi vista de novo em sua forma original após o florescer do HEX. Diz-se que a própria essência dela foi costurada ao núcleo do Cântico, e que sua voz às vezes se mistura ao coro, chorando, rindo ou sussurrando segredos impossíveis. Aqueles que já ouviram essa voz relatam que não existe mentira ou verdade nela — apenas versões, cada uma tão real quanto a outra, mas todas igualmente corrosivas para quem tenta se agarrar a um único significado. O perigo absoluto do Cântico da Rosa Enlouquecida é que ele não se impõe apenas pela força ou pelo medo, mas pelo fascínio. Ele é sedutor. Ele oferece poder, conhecimento e a chance de reescrever a própria história. E quando o hospedeiro finalmente percebe que não é mais ele quem segura o Cântico, mas o Cântico que o segura, já é tarde: a rosa floresceu por completo, e cada pétala é um selo impossível de remover.